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MÍDIA: jornal | VEÍCULO: O Globo | DATA: | CADERNO: Rio | PÁGINA: 17
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Medo, comportamento e sociabilidade Condomínio fechado Políticas públicas de segurança
Notícia
O carioca costuma dizer que as favelas dominam o cenário das encostas da cidade, mas um estudo inédito apresentado pelo Instituto Pereira Passos (IPP) joga o mito ladeiro abaixo. Os pesquisadores revelam que 69;7% das áreas ocupadas acima dos cem metros de altitude (cota 100) no município – que totalizam 11,7 milhões de metros quadrados – estão nas mãos das classes média e alta. Apenas 30% são de favelas. Quando se analisa a população da área estudada,’ a proporção se inverte: 73,5% são moradores de favelas, e o restante se espalha pelo generoso espaço da ocupação formal. A legislação para construção acima da cota 100 é restritiva – estabelece limites como 10% da área ocupada e máximo de três pavimentos. Mas a fiscalização é falha.
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o estudo revela ainda que há mais de 20 favelas acima da cota 100 – parcial ou totalmente ilegais. Entre as comunidades com áreas acima dessa altitude estão Vidigal, Rocinha, Complexo do Alemão, Chácara do Céu, Complexo do Borel, Morro do Juramento e Morro do Dendê. Apesar de ocupar uma área muito menor, a população de favela representa 73% do total residente acima dos cem metros, que é de 137.515 habitantes. Ou seja, esses moradores se agrupam num espaço considerado inadequado pela legislação das áreas formais da cidade. As comunidades carentes não são passíveis de legalização pelos princípios da cota 100. Por isso, onde há intervenção da prefeitura, valem as regras de área de especial interesse ‘social.
– Se o objetivo for a regularização, a legislação deve mesmo ser diferenciada. Dentro da legislação formal, elas estarão sempre na ilegalidade – diz o urbanista Sérgio Magalhães, um dos idealizadores do projeto Favela-Bairro.
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Alguns casos de desrespeito às limitações da cota 100 na construção formal foram parar na Justiça, após serem denunciados pelo Ministério Público Estadual (MP) e a prefeitura. Um caso emblemático é o do condomínio da Rua João Borges 240, Gávea, originalmente um lote da família Canto e Mello. Ali foram construídas mais de 20 casas de alto padrão, numa área hoje chamada de Condomínio Canto e Mello. Como a legislação proíbe loteamentos e casas sem, pelo menos, 50 metros voltados para logradouro público, a aparente ilegalidade rendeu uma ação civil pública em 1991, que corre até hoje nos tribunais do Rio.
– Todas descumpriram o embargo de obra. A certeza da impunidade reinou. Pena que essa ação seja um exemplo de morosidade da Justiça afirma o advogado Rogério Zouein, que à época trabalhava para o MP.
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O dono do imóvel, José Hermani Campelo de Souza, admitiu ser réu no processo, mas disse ainda caber recurso em Brasília, sem saber que o processo tinha voltado ao Rio.
– Se não existisse esse condomínio, isso aqui seria uma favela. Todos têm processo. Não só eu. A prefeitura não reconhece o Condomínio Canto e Mello – diz Hermani.
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Sérgio Magalhães diz que, na média, quem cumpre mais a lei são os moradores de classe média:
– Para eles o risco é alto. Não podem ter o dano de demolição ou multa. Já o rico, se quiser, tem meios de arcar com a ilegalidade. O pobre, muitas vezes, não tem alternativa.