Publicado em 14 de abril de 2004 – Jornal O Globo
Os castelos medievais do novo milênio dão a dimensão exata do pânico gerado pela violência no Rio de Janeiro. Esta é uma das conclusões da recente pesquisa financiada pela Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj). Estudantes de arquitetura da Universidade Federal Fluminense constataram que, em alguns bairros da cidade, a “medievalização” da arquitetura demonstra a preocupação de incluir a segurança como item principal dos mais novos projetos arquitetônicos no estado. Trata-se da Arquitetura da Violência ou do Medo, como está sendo chamado o trabalho organizado pela professora Sonia Ferraz, da UFF.
Segurança consome R$ 105 bilhões/ano
São mansões e condomínios de alto luxo construídos, nos bairros mais nobres da cidade, com torres com pequenas fendas para vigia (como se fossem seteiras de castelos), altos muros de pedras, portais duplos e até fossos com ponte, como no condomínio Summer Dream, na Avenida Sernambetiba, na Barra da Tijuca.
É a linguagem medieval de proteção. O estudo conclui que a insegurança desenha um novo padrão funcional e formal de arquitetura e comprova que o medo gera lucro: uma boa fatia do mercado imobiliário, da indústria de equipamentos e materiais de segurança cresce na mesma medida em que a violência.
Segundo cálculos da Fundação Getúlio Vargas, feitos em fevereiro de 2000, são gastos cerca de R$ 105 bilhões por ano com a segurança privada. A média de roubos a residências é de quatro por dia, segundo estatística oficial. A polícia admite que alguns casos não são notificados pelas vítimas. Segundo a pesquisa, na medida em que as pessoas buscam proteção também estão se auto-excluindo e esta exclusão pode provocar a marginalização de grupos sociais que vivem em condomínios fechados.
— Tanta proteção altera de maneira significativa as relações pessoais — explicou Sonia Ferraz.
De acordo com a pesquisa, a arquitetura de segurança está passando por um período de transição. A instalação de equipamentos de segurança, grades, colagem de cacos de vidros ou de garras de aço sobre muros, ou ainda arames farpados ou cercas eletrificadas em prédios antigos, iniciada nos anos 90, passou em meados da mesma década a ser incorporada aos projetos arquitetônicos das novas edificações.
O privilégio de ter cabines da PM nas portas dos prédios mais luxuosos da orla do Leblon e de Ipanema também foi observado. Dos dez prédios mais caros da região, nos quais um imóvel custa até US$ 3 milhões, oito contam com a segurança de cabines da PM.
— No Rio, a apropriação de áreas públicas é surpreendente — alertou Sônia Ferraz.
No Jardim Botânico e no Alto Leblon, existem guaritas em cruzamentos, gradis diversos, privatização de ruas sem saída, com portões e guaritas acrescidos de placas renomeando como “condomínios particulares”, além de mansões com muros altos.
Nas ruas transversais do Leblon, prédios construídos nas duas últimas décadas convivem com edifícios multifamiliares construídos entre 1930 e 1960. A diferença é marcada pela improvisação na instalação de equipamentos de segurança ou grades.
Ruas são cercadas e têm até grades
Na Barra, um conjunto de prédios entre a Rua Gastão Senges e as avenidas Celso Kelly e Assis Chateubriand foi cercado por grades que invadiram a calçada, obrigando o pedestre a andar na rua. As ruas dos condomínios Barramares e Nova Ipanema são públicas, mas foram cercadas, segundo o vice-presidente da Ademi, o construtor Ivan Wrobel. Ele ficou impressionado com a pesquisa e admitiu a medievalização da arquitetura no Rio.
Francisco Albenza, vice-presidente da Atlântica Residencial, também concorda com os pesquisadores. Mas ressalta que a preocupação com a segurança existe em todas as grandes cidades.
Ivaldo Portela, morador e conselheiro do condomínio Summer Dream, na Barra, disse que se sente seguro onde mora. O condomínio tem dois prédios de 27 andares e 216 apartamentos. Trata-se, segundo os pesquisadores, de uma versão moderna de um castelo medieval, construído em meados da década de 90. Sua única entrada é cercada por muro de mais de três metros de altura, um fosso e uma pequena ponte com dupla cancela. Nos fundos, divide um muro com uma cerca eletrificada com outro condomínio. Nas laterais também.
Carlos Paiva, presidente do Comitê de Segurança Empresarial da Agencia Brasil de Segurança diz que a segurança predial é um processo, e não apenas uma atitude de colocar meios eletrônicos. Sônia Ferraz afirma que este processo não tem fim: de um lado existe alguém criando meios de defesa e do outro existe quem pense em como burlar os esquemas de proteção.

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