Jornal Nacional – Rede Globo
Programa exibido em 23 de fevereiro de 2007
A violência está mudando radicalmente a paisagem das cidades brasileiras. Casas e prédios se adaptaram para tentar proteger moradores cada vez mais assustados. A arquitetura do medo lembra os tempos medievais, como mostra a reportagem de Flávio Fachel.
A jornalista Francisca Pereira volta para casa com as filhas. Passar pelo portão cheio de pontas que mais parecem lanças em posição de ataque, tem significado.
“A partir do momento que eu entro, com essas grades eu me sinto segura, apesar de não estar totalmente segura. Parecem aquelas fortalezas antigas”, diz ela.
Vida atrás das grades. A Caravana JN – que percorreu o Brasil de ônibus antes das eleições – registrou: uma porta só já não basta, até em cidades pequenas.
Interior da Bahia: cidadãos amedrontados atrás de muros altos. Proteção em alta voltagem em Arapiraca, interior de Alagoas. Em Olinda, a prefeitura está produzindo um manual que ensina a população a construir já pensando na segurança, uma espécie de receita contra a violência.
Por que as pessoas montam trincheiras em suas próprias casas? É a pergunta que Sônia Maria Taddei, professora da UFF, tenta responder.
Comparando o passado com o presente. Usando simulações de computador para registrar as mudanças nos projetos dos arquitetos. Ela constatou: estamos repetindo táticas do passado para recuperar a sensação de paz dentro do lar.
“Os medos atuais levaram as pessoas, levam os proprietários, a adotar estratégias medievais na arquitetura. Muralhas, agulhas e paliçadas, torres de vigia, o portão duplo”, aponta a professora.
São Paulo, século 21. Mansões medievais. Nem o inocente jornal da manhã escapa da caixa “boca de lobo”. Na guerra, o rolo de arame farpado dificulta o avanço do inimigo. Nos condomínios, virou última linha de defesa contra a violência. É cada um no seu castelo.
O dono do estacionamento encheu o muro de cacos de garrafa. Um buraquinho é o espaço que sobrou para o vigia vigiar.
“O quadradinho é pra gente olhar, quem vem lá, quem vem cá. Se precisar falar alguma coisa é por aqui”, mostra o vigia José dos Santos.
Mudanças em cada esquina. Lembra dos caixas automáticos de rua? Se mudaram para dentro da “segurança” dos shoppings. Mesmo assim…
“Entro, pego, saio logo rápido para não ter problema. A insegurança está total”, lamenta o aposentado José Carlos Leão.
Nem o tradicional programa de fim de semana escapou. O último cinema de rua que resiste em Copacabana, no Rio, é o Roxy. Já foram dezenas com as portas na calçada. Para manter a tradição, as grades agora estão sempre em cartaz. E a bilheteria passou lá pra dentro, pro saguão.
Vidros de automóvel à prova de bala. À prova de curiosos.
“Então o que eles querem? O mundo eles esquecem lá fora e estou seguro dentro do meu carro, é a blindagem dos vidros, é o que eles querem”, diz o segurança Valter dos Santos.
As barreiras se multiplicam. Em um condomínio, só quem tem as digitais registradas é autorizado a entrar. Em caso de pane, preferência para a segurança.
“Tem que ter a digital cadastrada para poderem acessar o condomínio. Se não tiver não acessa o condomínio. Já ficou morador do lado de fora”, conta Marcos Vinícius Oliveira, administrador do condomínio.
Para viver em um lugar seguro é preciso pagar um preço alto. E não é só em dinheiro não. Quem decide morar lá precisa abrir mão da própria privacidade.
Em um condomínio vivem 1,6 mil pessoas, em 400 apartamentos. Em uma espécie de Big Brother gigante e permanente, tudo em nome da sensação de segurança.
São mais de 40 câmeras. E uma central de computador onde até a internet é controlada.
“Tudo que você possa imaginar de tecnologia passa pela central e é controlado por lá também”, explica o administrador.
Com o sistema, os seguranças já evitaram dois seqüestros. Em um condomínio, ninguém tem dúvida: a realidade foi barrada no portão.
“O Rio de janeiro é lá fora. Aqui, é outro lugar”, diz o morador.

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