Sensação de insegurança coletiva muda estética das construções em Campinas
Publicado em 17 de abril de 2011 – Jornal Correio Popular
Por Henrique Beirangê – Fotos de Edu Fortes
Muralhas feitas de pedras, torres de vigilância, fossos preenchidos com água e até mesmo torres de observação de defesa e ataque. A estética característica da arquitetura da Idade Média, que durante séculos simbolizou segurança e proteção, inspira um novo mercado da construção civil que vem ganhando espaço na morfologia urbana dos grandes centros. O resgate do conceito no modelo de segurança baseado em barreiras anti-invasões vem alterando características estéticas das residências de alto padrão em um fenômeno que especialistas já classificam como “medievalização das construções”. Para estudiosos da chamada arquitetura da violência, o modelo de autoproteção baseado no isolamento em “ilhas” é falho. Ao invés de garantir mais segurança, os novos “minifeudos” reduzem a convivência no espaço urbano, esvaziam as ruas de áreas residenciais e fomentam ainda mais a cultura do medo.
Para especialista, melhor saída é ocupar os espaços públicos
Em Campinas, não são difíceis de serem encontradas residências que se espelham na arquitetura da violência e que até pouco tempo só eram vistas em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro. Entre as principais caraterísticas estéticas das novas moradias, se destacam a diminuição do tamanho das janelas frontais ou até mesmo sua substituição por janelas laterais; elevação no tamanho de muros, que em alguns casos chegam a até 12 metros de altura; seteiras —aberturas em muros semelhantes às existentes em muralhas medievais para utilização de arco e flecha, agora substituídas por armas semiautomáticas —; torres de observação e outras barreiras físicas que, reunidas, tornaram o que antes se assemelhavam a lares, em grandes fortificações.
Na opinião de quem estuda o assunto, a arquitetura da violência é alimentada por uma sensação de insegurança coletiva que, em determinados casos, pode beirar até mesmo a paranoia. No Brasil, já existem até mesmo empresas especializadas na construção dos chamados “quartos do pânico”. A construção, que dá nome ao filme estrelado pela atriz norte-americana Jodie Foster, ficou conhecida por ser uma célula de sobrevivência blindada que permite manter quatro pessoas por até sete dias em caso de invasão a uma residência. O mercado brasileiro já oferece também a construção de bunkers de guerra. Subterrâneos, podem abrigar uma família por até três anos e, segundo uma empresa da área localizada em Jundiaí, as vendas têm crescido a cerca de 30% ao ano no País.
O arquiteto Lauro Luiz Francisco Filho, coordenador do Laboratório de Investigações Urbanas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), afirma que, apesar de toda esta estrutura, as estratégias de segurança na maioria deste tipo de construções são ineficientes. A reportagem saiu com o professor pelas ruas de Campinas, onde o especialista encontrou exemplos de construções que se espelham em fortificações, mas que, segundo ele, não só não impedem invasões, como também, pioram a qualidade da segurança residencial.
O primeiro endereço residencial visitado foi uma casa à venda no bairro Parque Universitário. O muro encobre quase que totalmente a frente da casa, há interfones, câmeras de segurança e cerca elétrica. A casa é aparentemente bem segura e quase intransponível. Mas não é. “A dificuldade do criminoso será só entrar, depois disso, aqui fora, ninguém vai ver mais nada o que acontecer”, afirma.
O especialista explica que a obstrução visual completa do interior da residência é um agente facilitador para a ação de criminosos. De acordo com ele, grades trespassadas, uma cerca elétrica e um cão adestrado já reuniriam condições de segurança mais baratas e eficientes que o modelo de grandes fortificações, e vai além. “Em última análise, segurança está ligada à convivência. A segurança começa com relacionamento. Hoje, você não vê ruas cheias de crianças brincando e vizinhos se relacionando, isso vale mais que qualquer alarme. O criminoso se sente mais intimidado quando vê uma vizinhança na rua, do que ruas vazias, como vemos hoje em dia”, afirma.
O professor lembra que os atuais modelos de construção interferem na iluminação do ambiente, na ventilação e podem, inclusive, se tornar prejudiciais à saúde. “As pessoas têm trocado salubridade, por uma falsa sensação de segurança”, afirma.
Após sequestro, professora reforça segurança da casa
A professora de filosofia Helena de Souza, de 63 anos, passou por um pesadelo há cerca de 15 anos. Ela foi vítima do que especialistas no estudo da arquitetura da violência consideram o ponto mais frágil dos sistemas de segurança residencial: o momento de entrada na garagem. A professora foi surpreendida no portão por sequestradores e, mesmo morando em uma residência nos moldes da alta segurança patrimonial, não foi possível impedir o susto. O pai era arquiteto e desenhou a casa inspirada em elementos estéticos gregos, que agora contam com grades nas janelas inferiores e portões eletrônicos. Com muros altos, árvores ao redor do muro que obstruem ainda mais a visão da parte frontal da residência, a casa lembra um pequeno castelo medieval e, mesmo com a aparente segurança, Helena não se sente mais segura onde mora. “A gente não tem mais segurança em lugar nenhum. Semana passada mesmo, teve um assalto nesta rua”, disse. A filósofa lembra que os moradores contrataram vigias para tomarem conta da rua onde moram, mas o clima de intraquilidade permanece. “Ninguém fica à vontade para ficar na rua até altas horas.” (HB/AAN)
Empresário pede projeto de castelo com ponte levadiça
Pesquisadora afirma que tendência só alimenta a indústria da violência
A coordenadora do grupo de estudos sobre a Arquitetura da Violência da Universidade Federal Fluminense (UFF), Sônia Maria Taddei Ferraz, afirma que a atual sensação de medo na sociedade é maior que o próprio perigo real. Ela desacredita os principais instrumentos de segurança baseados em “estratégias medievais” e fala que o abandono do espaço público residencial, antes ocupado por vizinhos, contribui com a perda de funcionalidade das ruas enquanto intermediadoras das relações sociais.
“Outro dia, uma pessoa nos procurou solicitando a construção de um castelo medieval com ponte levadiça, acreditando que teria uma residência com mais segurança. Metade dessas estratégias de segurança são absolutamente inócuas e só servem como apelo para quem se beneficia disso, a indústria do medo.”
Segundo ela, empresas de Israel têm se expandido no Brasil por encontrarem um mercado que, a cada dia, demanda mais estratégias de segurança de guerra nas casas.”Você tem mais medo do que perigo. Existem pesquisas que mostram moradores de bairros onde as estatísticas criminais caíram reclamando do aumento da violência no local.”
Pesquisa realizada pelo grupo de estudo coordenado pela professora no Rio de Janeiro e em São Paulo chegou a encontrar situações extremas, como a de uma residência no bairro Morumbi, na Capital paulista, com um muro de 12 metros de altura. (HB/AAN)