Publicado em 8 de outubro de 2006 – Jornal do Brasil
Por Charles Rodrigues
Além de interferir no cotidiano das pessoas, a violência tem transformado paisagens e traçado um novo padrão funcional de arquitetura em Niterói.
Outrora considerada uma trincheira de paz e tranqüilidade, a cidade ganha novos contornos arquitetônicos, em conseqüência, sobretudo, do aumento dos índices de criminalidade e da sensação de insegurança.
Nesse contexto, cerca de 90% dos novos prédios e condomínios já contam com diversos aparatos como muralhas, guaritas de segurança, grades, circuito interno de TV, cercas elétricas e outros equipamentos sofisticados de segurança.
De acordo com dados da pesquisa Arquitetura da Violência, da Universidade Federal Fluminense (UFF), em alguns casos, os custos com a segurança já ultrapassam os gastos com a própria construção, elevando em quase 100% o valor final dos imóveis.
Para a coordenadora do projeto de pesquisa, professora Sonia Ferraz, as novas tendências do mercado imobiliário esbarram no complexo jogo das relações sociais e nos interesses comerciais das empresas especializadas em equipamentos e serviços de segurança, que lucram com o medo coletivo.
– Os nossos estudos apontam um aumento considerável dos aparatos de segurança em prédios de Niterói, Rio de Janeiro e de outros centros urbanos – observa Ferraz. – O mercado imobiliário tem capitalizado esse pânico, traduzido em apelos e diversificação da oferta de materiais, equipamentos e serviços. Sônia Ferraz chama de “arquitetura do medo” esses novos novos empreendimentos imobiliários e critica a naturalização desse modelo.
– A solução não é aumentar a grade, mas diminuir as diferenças – ressalta a professora.
Sobre a “arquitetura do medo”, o comandante do 12º Batalhão de Polícia Militar (Niterói), tenente-coronel Marcus Jardim, atribui o seu crescimento na cidade ao grande número de mazelas e desigualdades sociais.
Jardim, no entanto, exime a polícia de culpa pela sensação de insegurança e rebate as acusações atribuídas à corporação sobre uma possível transferência de responsabilidade.
– As construções agregam mais mecanismos de segurança por causa das desigualdades sociais – analisa o comandante.
– Isso não quer dizer que a polícia tem sido inoperante ou omissa. Quem tem mais recursos financeiros prefere outras alternativas de segurança.
Castelos medievais da era moderna
Integrante do grupo de pesquisa Arquitetura da Violência, também da UFF, Camila Furloni compara o novo desenho das edificações atuais com os imponentes castelos medievais. Apesar das diferenças históricas e sociais, Furloni aponta diversas semelhanças arquitetônicas entre os dois períodos, marcados pela sensação de insegurança.
– Na idade média, a arquitetura dos castelos era planejada para conter a invasão de conquistadores e inimigos do reino – conta Furloni. – Atualmente, as atenções estão voltadas para uma segurança patrimonial, em decorrência da segregação de classes sociais.
De acordo com a pesquisadora, nas edificações medievais era comum a construção de fossos, guaritas, muralhas, obstáculos pontiagudos, entre outros.
– A arquitetura atual nos convida a uma viagem na história – diz Camila. – Hoje é comum vermos os mesmos projetos em prédios e condomínios de luxo das grandes cidades.
A comparação com os tempos dos bárbaros assusta o administrador de empresas Sérgio de Souza, de 45 anos. Porém, o morador de um condomínio de luxo em Itaipu não abre mão de nada que garanta a segurança da sua família.
– Sei que existem desigualdades, contudo, o uso dos aparatos de segurança são fundamentais – disse o administrador.
Os reféns da indústria do pânico
Em seu livro Globalização, as conseqüências humanas, o sociólogo polonês Zygmunt Bauman fala do processo de
isolamento da nova elite globalizada.
Para ele, “as elites escolheram o isolamento e pagam por ele prodigamente e de boa vontade”. Em outra passagem o sociólogo afirma que “o território urbano tornou- se um campo de batalha de uma contínua guerra espacial”.
Para a professora Sônia Ferraz, esse processo de isolamento remete à criação de uma bolha, construída para proporcionar total segurança aos seus moradores.
– A idéia da bolha se torna uma realidade quando a comparamos aos megaprojetos imobiliários oferecidos na televisão
– analisa Ferraz. – É uma ilha dentro de uma grande cidade. Ali, segundo a propaganda, o morador estará protegido de todas mazelas do mundo, rodeado por uma arquitetura moderna e com os recursos de segurança.
De acordo com a pesquisadora, uma fatia significativa do mercado imobiliário e da indústria de equipamentos e materiais de segurança depende, hoje, da manutenção, e do crescimento do pânico.
– O medo alimenta esse mercado e, infelizmente, ajuda a reproduzir a arquitetura do medo – finaliza.