Da porta blindada ao insulfilm, cada um se protege como pode no país que gasta 10% do PIB com segurança

Publicado em junho de 2003 – Revista Época
Por Nelito Fernandes e Ricardo Mendonça
As estatísticas de violência no Brasil ganharam uma tradução econômica de arrepiar. Um estudo recém-concluído revela que os gastos com segurança no país somam 56 vezes o que o governo vai gastar neste ano no programa de combate à fome. São cinco vezes o orçamento do Ministério da Educação e quatro vezes o que todas as famílias brasileiras investem anualmente em planos de saúde. O trabalho do economista Ib Teixeira, pesquisador da Fundação Getúlio Vargas e que desde 1995 monitora quanto o país paga no chamado ‘imposto-violência’, mostra que em 2002 os governos federal e estaduais gastaram R$ 47 bilhões em segurança. Empresas e cidadãos comuns desembolsaram outros R$ 55 bilhões em guardas particulares, armas e equipamentos, que vão de câmeras a carros blindados. A soma, R$ 102 bilhões, é igual ao patrimônio líquido de todos os bancos do país e corresponde a 10% do Produto Interno Bruto (PIB). Em 1997, o gasto era menor não apenas em números absolutos, mas em proporção – 5% do PIB. A explosão foi financiada principalmente pela classe média, cada dia mais assustada com assaltos e seqüestros. Nesses cinco anos a soma dos gastos das pessoas físicas e empresas cresceu 130%.
O fenômeno foi batizado pela professora de arquitetura da Universidade Federal Fluminense Sonia Ferraz de ‘medievalização’. Como o Estado é incapaz de garantir a segurança dos moradores, as ruas se tornam terra de ninguém, ao estilo das estradas da Idade Média. Os bandoleiros assaltam quem passa e seqüestram os ricos para pedir resgates. Quem é mais abonado contrata um exército particular de seguranças. E os cidadãos transformam suas moradias em verdadeiras fortalezas para impedir a invasão inimiga – a última moda são os ‘quartos do pânico’, recintos com portas blindadas para se defender de possíveis invasores. Já existem 40 mil casas com pelo menos um jogo dessas portas no país, e a procura é tanta que elas ficaram em falta no mercado. Mas tudo isso gera pouco ou nenhum efeito – apenas obriga a bandidagem a descobrir outros tipos de golpe, que exigirão novos recursos de defesa e mais investimentos.
Fotos: Maurilo Clareto/ÉPOCA

 
 
 
 
SUPERPROTEÇÃO Wanessa Camargo tem quatro seguranças e só sai de casa em automóvel blindado
 
O fenômeno foi batizado pela professora de arquitetura da Universidade Federal Fluminense Sonia Ferraz de ‘medievalização’. Como o Estado é incapaz de garantir a segurança dos moradores, as ruas se tornam terra de ninguém, ao estilo das estradas da Idade Média. Os bandoleiros assaltam quem passa e seqüestram os ricos para pedir resgates. Quem é mais abonado contrata um exército particular de seguranças. E os cidadãos transformam suas moradias em verdadeiras fortalezas para impedir a invasão inimiga – a última moda são os ‘quartos do pânico’, recintos com portas blindadas para se defender de possíveis invasores. Já existem 40 mil casas com pelo menos um jogo dessas portas no país, e a procura é tanta que elas ficaram em falta no mercado. Mas tudo isso gera pouco ou nenhum efeito – apenas obriga a bandidagem a descobrir outros tipos de golpe, que exigirão novos recursos de defesa e mais investimentos.

 
REFORÇO Moda defensiva é o
insulfilm ‘semiblindado’, que suporta
até marretadas, mas não dá garantia contra tiros
 
Não há sinais de que a situação possa melhorar. Na semana passada, no Rio de Janeiro, o seqüestrador Sussuquinha, um dos mais perigosos do Estado, fugiu pela porta da frente do Batalhão de Choque da Polícia Militar, onde estava preso. Em São Paulo, a polícia alertou para a existência de uma quadrilha especializada em seqüestros relâmpagos nos shopping centers, até recentemente tidos como ilhas de tranqüilidade. ‘Enquanto segurança existir só para quem pode pagar, os gastos vão continuar aumentando, sem que os índices de violência sejam afetados’, explica Teixeira. O presidente de uma empresa estrangeira especializada em negociação de seqüestros calcula que para ficar seguro em São Paulo é preciso gastar US$ 1 milhão em equipamentos. O custo do medo provoca um efeito cascata no restante da economia. Ele pesa nas taxas cobradas pelos bancos e no valor das cargas sujeitas a roubo, como remédios, cigarros e autopeças. Uma pesquisa feita pela Associação Brasileira dos Shopping Centers mostrou que a despesa com segurança chega a 30% do gasto fixo dos lojistas. A economia do medo está imune à crise, cresceu 55% em dois anos. E diversifica-se cada vez mais.
Novidades para autodefesa surgem diariamente. A Jenade Security lançou coletes à prova de bala discretos, que podem ser usados até mesmo embaixo de camisetas de malha. As vendas desse tipo de produto cresceram 500% em cinco anos, mesmo com toda a burocracia exigida (o uso só é permitido com a autorização da Polícia Federal). A empresa quer agora lançar um modelo capaz de suportar tiros de Magnum 45. Uma concorrente, a Ability, vende desde maletas para executivos capazes de dar choque nos ladrões até alarmes que telefonam automaticamente para o celular do proprietário se sua casa estiver sendo invadida. A empresa se prepara também para vender uma arma de choque que dispara anzóis eletrificados a 6 metros de distância, atingindo o agressor com uma descarga de 40 mil volts. A Armor, que prosperou vendendo carros à prova de bala para executivos, agora vende também uma cerca cortante de aço espiral, igual às usadas em presídios americanos. Ela já responde por 10% do faturamento da empresa.

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