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MÍDIA: jornal | VEÍCULO: Folha de São Paulo | DATA: 17/08/2003 | CADERNO: Cotidiano | PÁGINA:
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Medo, comportamento e sociabilidade
Notícia
Morador há 19 anos da maior favela da zona sul, cirurgião aposentado foi tachado de maluco quando mudou para o local. O “Doutor” é o cirurgião aposentado Waldir Jazbik, 75. Sua casa poderia ser definida como a sede de uma pequena fazenda encravada em uma das maiores favelas urbanas do mundo. (…) O cirurgião é a antítese da paranóia da violência que acomete os grandes centros urbanos do Brasil. Mesmo sendo considerado rico no meio de uma comunidade pobre, o portão da casa de Jazbik está sempre aberto. A confiança se justifica. Os moradores gostam tanto dele que garantem que, se um dia entrar alguém estranho na casa do “Doutor”, descem todos os vizinhos para ajudá-lo. Talvez por isso nunca houve registro de assalto ou furto em sua casa. Pelo contrário, Jazbik conta que, quando uma galinha ou pato foge de sua casa e vai para a favela, os moradores rapidamente se mobilizam para pegar o bicho e devolver para ele. Sua receita para viver na Rocinha com segurança é tão simples quanto a galocha que usava quando recebeu a Folha em sua casa: “Se você trata eles com respeito e educação, eles te protegem. É como se falassem para todos: não mexe com fulano porque ele tem dez irmãos”. (…) “Não vivo assustado porque não tenho motivo para isso. Sei que tem bandido na favela. Mas também tem na Câmara, no Senado ou na avenida Atlântica. Os homens que vivem aqui são de uma honestidade a toda prova. A maioria passa por privações, mas nem por isso se desvia. Não sei se eu ou você seríamos tão honestos se passássemos pelo que eles passam”, conta. O medo da classe média alta do Rio com a violência nas favelas é, na sua avaliação, exagerado. “Somos mestres em falar do que não conhecemos. Quem sempre morou em condomínio de luxo não sabe como é viver aqui. O pessoal aqui se ajuda. Eles me tratam com respeito e nunca exigem nada em troca”, afirma.