Publicado em 09 de setembro de 2002 – Portal Arquitetura Brasil
Por Claúdio Cruz
O crescente índice dos atos de violência urbana gerou, na sociedade atual, uma busca desenfreada pelo desenvolvimento e utilização de dispositivos e técnicas com finalidade de assegurar a integridade da pessoa e da propriedade. E não só os hábitos corriqueiros refletem esse clima de pânico, a forma das habitações e da própria cidade também foram alteradas em função desta realidade já profundamente marcada por símbolos que evidenciam a sensação de insegurança do cidadão comum que vive nas grandes cidades.
Esta não é uma preocupação exclusiva da sociedade hodierna, altamente urbanizada e socialmente injusta. Ao contrário, desde a antigüidade, nas sociedades predominantemente agrárias e socialmente mais equilibradas, há exemplos que ilustram a preocupação com a segurança das habitações e das estruturas citadinas, afinal estes deveriam ser lugares seguros por excelência por possírem as características que os distinguem dos primevos abrigos que há muito nos protegiam das intempéries, das feras e do próprio homem. Vale ressaltar que as cidades muradas, os castelos com torres e passadiços, nossas igrejas barrocas com seteiras, nossos fortes na costa, todos estes são programas e detalhes construtivos que previam tanto a defesa quanto o ataque.
Guaritas e muros são recursos amplamente utilizados nas habitações, a população discute a utilização de câmaras de espia nas vias públicas das cidades, mas a questão é: será que tais dispositivos cumprem sua função primordial de resguardar vidas e patrimônios? A julgar pelas estatísticas, somos inclinados a uma conclusão negativa. Mecanismos dessa natureza criam apenas desconfiança mútua e isolamento, promovem a segregação social e extinguem as práticas comunitárias integradoras.
A barreira física e a vigilância eletrônica temperadas de impessoalidade desestimulam a vida coletiva que julgamos ser o mais eficaz antídoto contra a violência. É a falta de integração entre os cidadãos o que acaba por servir de estímulo à geração de mais violência. Num ciclo de retroalimentação intramuros constata-se a violência doméstica despontar nas estatísticas a cada dia com maior freqüência. O fato é preocupante, pois atinge principalmente crianças e mulheres em seus lares, um espaço tradicionalmente tido como seguro, se comparado às ruas.
As precárias condições de vida – falta de habitação e péssima distribuição de renda, são a principal causa dos conflitos sociais que transformam qualquer cidadão em um inimigo potencial. Contra este estado que podemos considerar emergencial não há muros nem guaritas que protejam uma sociedade que tornou-se refém de si mesma. Para superar este estado faz-se necessário criar espaços saudáveis e restaurar as áreas degradas das cidades, além de eliminar bolsões de pobreza e investir em infra-estrutura urbana a fim de resgatar e fomentar o convívio grupal. Acreditamos que a adoção dessas medidas pode reverter o crescente número de casos de violência estatisticamente registrados.
A sociedade pacífica não é uma visão utópica, mas uma realidade com a qual os arquitetos podem contribuir para a sua concretização criando espaços saudáveis que estimulem a solução dos conflitos. São vários os exemplos de projetos imbuídos desta preocupação, o que é louvável. Também são fartos os exemplos de uma arquitetura que pode alimentar a violência, o que é lamentável. Oxalá prevaleça a primeira sobre a segunda.
Cláudio Cruz é arquiteto formado pela UFPE, pós-graduado em design.

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