Exibido em 12 de abril de 2004 – Programa Olhar 2004 / TVE
O poderoso Sarney
Hudson Carvalho, jornalista
A revista Época desta semana publica uma reportagem sobre a influência de José Sarney no governo Lula:
“Uma maldade circula por Brasília em tom de piada: a diferença entre o governo Sarney e o governo Lula é que agora José Sarney tem mais poder. A verdade é que enquanto ocupou o Palácio do Planalto, entre 1985 e 1990, o maranhense não foi um presidente carismático e poderoso. Levado à presidência pela morte de Tancredo Neves, sofreu com a sombra do deputado Ulysses Guimarães, então chefão do PMDB. Hoje, aos 74 anos, Sarney tem mais prestígio do que naquele tempo. Eleito para o comando do Senado no início de 2003, ele se tornou o político não-petista mais influente no governo. É ouvido pelo presidente Lula nos momentos difíceis, controla alguns cargos federais e cumpre uma função essencial no Congresso, fazendo o papel de bombeiro nos incêndios políticos produzidos pela oposição ou mesmo pelo PT e seus aliados. Foi ele quem socorreu o Planalto na hora mais delicada, na crise que foi desencadeada pelo caso Waldomiro Diniz. Sarney assumiu o ônus de enterrar a CPI dos Bingos ao afiançar a decisão dos partidos aliados de não indicar os integrantes da comissão. No prontuário de serviços prestados ao governo, o senador também foi decisivo na votação das reformas constitucionais e na atração do PMDB para o governo. Passada pouco mais da metade de seu mandato está em curso uma operação política complicada para garantir-lhe, a partir de 2005, sua reeleição na presidência do Senado. Pelas regras em vigor, os presidentes da Câmara e do Senado não podem ser reeleitos. Mas avança no Congresso, com a simpatia do Planalto, uma emenda constitucional destinada a mudar essa norma.”
Marta e Cesar de olho em 2004
Há uma coincidência na articulação dos prefeitos Marta Suplicy e Cesar Maia. Candidatos à reeleição, ambos escolhem a dedo seus candidatos a vice, de olho em 2006. Em São Paulo, Marta indicou e o PT já aprovou que seu candidato a vice seja o secretário municipal do Governo, Rui Falcão. Com a escolha, jogou fora o importante apoio do PMDB. NO Rio, o preferido de Cesar Maia é o deputado estadual Eider Dantas, amigo há 25 anos. Marta está convicta de que será reeleita em outubro e não quer fechar a porta para uma eventual candidatura ao governo de São Paulo em 2006. As ambições de César soa ainda maiores. Se for reeleito, torna-se candidato natural do PFL à Presidência em 2006.
Ou, no mínimo, vice numa chapa que reedite os anos FHC.
20 anos do comício das Diretas Já
Silvio Tendler, cineasta
Na tarde de terça-feira de 10 de abril de 1984 o carioca fez História: um milhão de pessoas tomou a Avenida Presidente Vargas para pedir Diretas-Já. Vá lá que, 15 dias depois, o sonho de votar para presidente tenha naufragado na derrota da emenda Dante de Oliveira no Congresso. Mas quem foi às ruas naquela tarde de outono, não esquece.
O Comício da Candelária é um dos destaques do livro “Diretas Já: 15 meses que abalaram a ditadura”, de Dante de Oliveira e Domingos Leonelli. Principal organizador do evento, o então governador Leonel Brizola, hoje presidente de honra do PDT, contou aos autores que teve muito trabalho para domar a esquerda do PT. Temendo confusões – como as que haviam acontecido no comício da Praça da Sé, em São Paulo, em 25 de janeiro – não titubeou: convocou os integrantes da Brizolândia para vigiar os radicais.
O comício mobilizou o carioca desde as primeiras horas da manhã de 10 de abril. Às 14h, ônibus e barcas liberaram as roletas. Ali perto, almoçavam num bar, na Rua da Alfândega, o locutor Osmar Santos e a atriz Christiane Torloni, que dividiriam a apresentação da manifestação com os atores Milton Nascimento e Lucélia Santos.
O governo também se mobilizava: no Hotel Guanabara, a Polícia Federal ocupou o quarto andar, em linha direta com o Ministério da Justiça. No comando do I Exército, um telefone também acionaria imediatamente o ministro Walter Pires, em Brasília, em caso de emergência. Cuidados desnecessários. Aos poucos, os cariocas foram chegando, armados apenas de criatividade – muitos foram fantasiados ou portavam faixas e cartazes fazendo graça do ocaso do regime militar.
A emoção deu o tom da festa. Foram 52 oradores, do líder estudantil Apolinário Ribeiro a Brizola, que encerrou a manifestação, propondo a autodissolução do Colégio Eleitoral e acrescentando, em tom confessional: “Hoje, o mais orgulhoso desse milhão de pessoas é o cidadão chamado Leonel Brizola”. Osmar Santos anunciou o Hino Nacional. E a chuva, que ameaçara cair desde cedo, finalmente desabou. De alma lavada, o carioca voltou para casa, entoando os versos proféticos de “Pra não dizer que não falei de flores”, de Geraldo Vandré: “Vem/ vamos embora/ que esperar não é saber/Quem sabe faz a hora/Não espera acontecer”.
O muro da Rocinha
Sonia Ferraz, prof. Departamento de Arquitetura da UFF
O governo do estado anunciou ontem que pretende construir muros de três metros de altura conter a expansão das favelas da Rocinha e do Vidigal. O autor da proposta, o vice-governador Luiz Paulo Conde, disse em entrevista à Rádio CBN, que vai começar a ouvir as associações de moradores da Favela da Rocinha sobre a proposta. O muro, segundo Conde, terá três metros de altura. Ao longo dele será construído um caminho para a passagem de carros com dois metros e meio de largura, onde policiais e moradores poderão circular tranquilamente.
Ele disse que a ideia de delimitar a Rocinha e outras favelas é antiga, mas precisa ser realizada urgentemente. Conde evitou dar prazos para início das obras e destacou que o objetivo do muro não é acabar com a violência, mas apenas limitar a expansão da favela, que tem crescido em direção à mata da Tijuca.
Ontem, no entanto, Conde argumentou que o muro ajudaria a diminuir a violência na região.
O vice-governador disse que a violência no Rio é questão nacional e que o governo federal precisa ajudar a combatê-la.
A guerra pelo controle do tráfico na Favela da Rocinha começou na madrugada da Sexta-Feira Santa e já deixou dez mortos. Além da Rocinha, também serão parcialmente muradas as favelas do Vidigal; do Parque da Cidade, na Gávea; e da Chácara do Céu, no Leblon.
Muros: a história que se repete
Erguer muros nem sempre é sinônimo de resolver problemas. Algumas vezes, produzem mais problemas, separação, exclusão, dor, intolerância, violência. O Muro de Berlim, erguido em 1961, dividiu a Alemanha em duas, isolando em duas partes famílias e amigos, um povo e uma nação, na mais concreta expressão da divisão do mundo que ficou conhecida como Guerra Fria.
Ele ficou erguido por quase três décadas. No dia 9 de novembro de 1989, um levante popular tomou e derrubou o muro, abrindo caminho para a reunificação das Alemanhas.
Nos anos 40, nos sombrios anos da guerra na Europa, um muro de três metros de altura e 16 quilômetros de extensão, ao redor de uma área de 490 hectares, erguido pelos nazistas, isolou 400 mil pessoas em Varsóvia.
Em junho de 2002, Israel começou a construir uma cerca de segurança na Cisjordânia, com objetivo de barrar a passagem de extremistas palestinos. Apoiado à época por mais de 80% dos israelenses, o projeto agravou ainda mais as relações, dificultando um plano de paz. Com 110 quilômetros da chamada Linha Verde, a cerca deve isolar cerca de 680 mil palestinos, segundo dados da ONU.
Quem é Moqtada Al-Sadr, o xiita que desafia os Estados Unidos
Paulo Gabriel Hilu Pinto, antropólogo, diretor do Núcleo de Estudos do Oriente Médio, UFF
O Exército dos EUA disse hoje que irá capturar ou matar o líder radical xiita Moqtada al-Sadr, que lidera o levante xiita contra as forças da coalizão em diversos pontos do Iraque.
O porta-voz militar dos EUA no Iraque, general Mark Kimmitt, disse que 76 soldados americanos morreram em combate no Iraque desde 1º de abril. O número de baixas, que faz deste o mês mais sangrento para os EUA no Iraque desde a queda de Saddam Hussein, há um ano, foi imposto pelo recente levante xiita e o endurecimento dos combates com a resistência sunita.
O general-de-divisão americano Ricardo Sanchez, comandante das forças americanas no Iraque, em entrevista coletiva à imprensa, disse que a cidade sagrada xiita de Najaf ainda permanece sob o controle da milícia de Sadr.
Autoridades americanas no Iraque disseram que um mandado de prisão de Sadr foi emitido há vários meses por um juiz iraquiano pelo envolvimento do líder radical no assassinato de um clérigo xiita em Najaf, no ano passado. Alguns líderes tribais e religiosos iraquianos tentam chegar a um acordo para pôr fim ao levante dos seguidores de Sadr. Em troca do fim da violência de rebeldes xiitas, os EUA desistiriam de prender Sadr.
O general disse ainda que sete prestadores de serviço de uma empresa dos Estados Unidos no Iraque estão desaparecidos. Segundo os militares dos EUA, os funcionários desaparecidos, cuja nacionalidade não foi divulgada, trabalham para a Kellogg, Brown & Root e sumiram após um ataques contra um comboio americano no oeste de Bagdá.
Quem é Moqtada al-Sadr
Filho de um muito respeitado líder religioso xiita iraquiano assassinado em 1999 às ordens de Saddam Hussein, Moqtada al-Sadr apareceu na atual cena política do Iraque logo após a queda do antigo regime. Apesar de ter apenas 31 anos, e não possuir a formação religiosa necessária para ser um líder religioso, Moqtada, que vive em Najaf, cidade sagrada para os xiitas, assumiu-se como o herdeiro do seu pai, o “grande ayatollah” Mohammad Sadiq al-Sadr, já que os seus dois irmãos mais velhos foram assassinados ao mesmo tempo que este. Moqtada é descrito pelos que o conhecem como teimoso e nervoso. Faz inflamados discursos nos sermões de sexta-feira na mesquita de Kufa, a mesma onde o imã Ali, venerado pelos xiitas, fazia as suas orações. Não fala nenhuma língua estrangeira e fez uma única viagem na vida: foi em Junho de 2003 ao Irã para o aniversário da morte do ayatollah Khomeini.
Frase:
“O muro será uma espécie de parque temático da cocaína. É uma piada numa situação como essa.”
Cesar Maia, prefeito do Rio
Debatedores: Leila Richers, jornalista, e Pedro do Couto, jornalista
Apresentação: Lúcia Leme
Direção: Mário Morel